sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Sobre condução na dança.

De fato, a dança tem o poder de nos demonstrar um milhão de coisas, apenas estando submergido nesse mundo fora do comum é que podemos tecer uma opinião verdadeira sobre o assunto.
Digo como recém-chegada a esse universo, que não se parece com nada que estamos acostumados a ver.
A dança é uma fuga, um escape, um gatilho para sair da sociedade que vivemos. Ela é mística, meu coração acelera quando penso em transformar em palavras o sentimento que me traz. Dentro de um salão de dança o mundo lá fora não existe. Vi um senhor morrer dançando uma vez, logo nas primeiras vezes que saí para ver uma competição. A morte nunca é vista com bons olhos, mas meu verdadeiro pensamento foi "Que sorte a desse homem ao morrer dançando!". No dia seguinte estava eu lá competindo no mesmo lugar em que aquele homem de luz deixou esse plano.
Falar da relação homem/mulher sempre torna-se um assunto delicadíssimo, a primeira vista por sermos seres que traumatizam-se com muito pouco, e exteriorizamos nossos traumas das mais variadas formas. Além do fator psicológico, ainda temos o social, onde a mulher toma uma posição inferior ao do homem. Ou o homem toma uma posição de liderança e guia.
Se falar da relação homem e mulher já causa desentendimento em âmbitos normais, falar da relação homem e mulher na dança torna-se um desafio muito maior.
A mulher, colocada como submissa ao homem, sempre soube, quase que instintivamente que deveria lutar contra essa injustiça, e vem fazendo isso década após década. Engana-se quem acredita que o feminismo e a luta por igualdade é algo novo e apareceu com a revolução tecnológica!
Trouxemos essa luta para a dança também, mas isso vai muito além de rebelar-se contra a opressão social. A dança, como já citei acima, é um mundo completamente diferente. É uma comunidade, encontramos dançarinos em todos os lugares do mundo, estamos todos conectados e sabemos disso. Compartilhamos vídeos, informações, lições... Todos unidos pela paixão de dançar. O que vivemos dentro dos salões de dança, acredito ser a forma mais pura da palavra sociedade, do latim societas, o conjuntos de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes e que interagem entre si. Mas muito além de uma sociedade fria como a que vivemos, a dança não tem uma política de conduta opressiva como temos fora dos salões. Não existe um líder, um presidente, uma tesouraria. Pobre daquele que acredita ditar alguma regra dentro desse universo, ou ter o direito autoral e nominal de qualquer coisa. A regra de não ter regra alguma sempre foi muito clara pra mim desde que comecei a frequentar os salões.
(Não vou entrar no mérito da discussão do respeito que deve existir, por exemplo, direito de recusar uma dança, ou parar a dança no meio se não se sentir bem, que não deve nunca existir qualquer intenção além do simples e puro desejo de DANÇAR, etc...) Essa regra muito prática não funciona na nossa sociedade comum, certamente. O problema é que esse conceito existente na societas dança, também dá pau vez ou outra, porque a linha entre liberdade e prisão é muito tenuê. Vivemos presos a certos costumes que temos como sociedade histórica, inadmissíveis quando nos tratamos da dança, onde nos expressamos sem medo de julgamentos. Existe uma norma para condução que construímos dentro da dança de salão, onde um conduz e o outro é conduzido. Geralmente temos um homem condutor e uma mulher conduzida, parâmetro que alguns grosseiramente enxergam como "um manda e o outro obedece", os mais ignorantes trazem o que a sociedade comum nos ensinou, de que a mulher fica submissa e sujeita às movimentações do homem.
Nunca canso-me de ver os casais dançando, e sempre temos aquele casal que se destaca, onde a mulher de olhos fechados confia no homem que a está conduzindo e entrega-se tanto, que dois parecem um. Não sabemos onde um começa ou o outro termina. Esses casais são arte. São pinturas, são quadros, esculturas... Arrisco-me a dizer que nem Vinicius de Moraes conseguiria por no papel o sentimento que esses casais conseguem transmitir apenas com a sua dança. E o menos importante nesses momentos é quem conduz ou está sendo conduzido. A sintonia e energia é tanta, que os dois expressão-se de forma libertadora. As mulher não querem mais serem submissas, querem encontrar-se como ser humano e descobrir sua autonomia. Os homens estão cansados, eles não querem que coloquem a carga das decisões todas em suas costas. Quem quer fugir pra se encontrar, geralmente encontra a dança.  

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